Médico e a omissão de comunicação de crime
Processo nº. 200800007000103
Nome: Departamento de Polícia Judiciária
Assunto: médico e a omissão de comunicação de crime
PARECER nº. 2008060558. Recebidos anteontem.
Trata-se de consulta formulada pelo Departamento de Polícia Judiciária deste Órgão acerca da aplicabilidade da infração penal de omissão de comunicação de crime, figura tipificada no art. 66 da Lei das Contravenções Penais, no caso de médico que se recusa a atender à solicitação de autoridade policial que busca informações sobre crime de ação pública incondicionada que aquele profissional, no exercício da medicina, teve conhecimento.
Posto, sucintamente, o assunto, vou à análise, agora.
A tutela penal, no âmbito da contravenção do art. 66 da Lei Específica, visa à proteção da atividade funcional do Estado e seus entes, objetivando, na dicção de Valdir Sznick, em sua obra Contravenções Penais, 5ª Edição, LEUD, página 325, “verbis”:
“… a normalidade, o prestígio e o decoro da Administração Pública. O Estado para atingir seus fins precisa de ter sua própria administração resguardada e orientada no sentido de oferecer eficácia, validade e respeitabilidade.
A cada um incumbe cooperar e não afrontar e atacar o Estado, com isso aumentando a burocracia estatal.”
Desta forma, a contravenção penal de omissão de comunicação de crime contempla, ainda na dicção de Sznick, obra e página citadas, “o interesse do Estado na descoberta e na apuração de infrações penais. Visa fornecer à autoridade meios – através da informação certa e no momento adequado – e elementos que viabilizem a sua atuação.”
O médico está, pois, obrigado a comunicar à autoridade competente – no caso, o delegado de polícia – crime de ação pública incondicionada que teve conhecimento no exercício da medicina, sob pena de, com sua omissão, ou recusa em atender a pedido de autoridade competente, que busca obter informações e elementos para a persecução criminal, ser processado pela prática, em tese, da infração penal do art. 66 do Decreto-lei nº. 3.688, de 3 de outubro de 1941, a Lei das Contravenções Penais.
O art. 66, II, da Lei Específica, que trata da contravenção penal de omissão de comunicação de crime, estabelece, “litteris”:
“Art. 66. Deixar de comunicar à autoridade competente:
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II – crime de ação pública, de que teve conhecimento no exercício da medicina ou de outra profissão sanitária, desde que a ação penal não dependa de representação e a comunicação não exponha o cliente a procedimento criminal:
Pena – multa.”
Tem-se, pois, a obrigação, o dever, a imposição legal a nortear, no exercício profissional, a colaboração médica com o Estado na descoberta e apuração de delitos; porém, há duas hipóteses de exclusão dessa obrigatoriedade: uma de ordem pessoal; outra, jurídica. A primeira, de ordem pessoal, se realiza quando com a comunicação se exponha o paciente a um procedimento penal. Ensina Sznick, obra já citada, à página 327, que nessa hipótese “o legislador tempera a obrigatoriedade com o compromisso de médico para com seu cliente, dentro da ética médica; o que, comumente, é conhecido como segredo (sigilo) profissional.” Ou seja, o médico que comunica o fato à autoridade competente, sem causar nenhuma imputação a seu paciente, não infringe o segredo profissional, vez que há justa causa para a quebra do sigilo médico, que não é absoluto. É dizer: tal obrigatoriedade ao silêncio cessa quando interesse público maior se levanta.
A outra, de ordem jurídica, se realiza quando se tratar de crime de ação pública dependente de representação ou de infrações administrativas e contravencionais. Nessa hipótese, omitindo-se o médico na comunicação de crime que não seja de ação pública incondicionada, de ilícitos administrativos e de contravenções penais, a sua conduta não se subsume formal e materialmente ao tipo. Ou seja, o médico somente se desobriga da comunicação ante aqueles determinados e específicos fatos, menos graves aos olhos do legislador, que teve conhecimento no exercício profissional. Quanto aos outros, mais graves, na visão legislativa, a obrigação mantém-se intacta. É dizer: a obrigatoriedade ao segredo médico estanca quando se impõe outro dever legal de interesse social mais relevante.
Ensina Sznick, obra já citada, páginas 330 e 331, “verbis”:
“Como já se salientou o objetivo da incriminação é a segurança pública através da descoberta e, conseqüente, punição do delito. Batista, no direito italiano, escreve: “É de grande interesse social a descoberta e a repressão dos delitos e a punição daqueles que se tornaram culpados. Para conseguir este escopo tem o dever de concorrer, cada um no limite das próprias forças, e conhecimentos, com qualquer meio que possa ajudar na luta contra o delito e o delinqüente. A lei não acrescenta ao dever moral aquele jurídico de todo o cidadão de denunciar qualquer delito de que tenha conhecimento”. (Omissione di referto, Dig. Italiano, vol. XVII, pág. 360).
Sobre se o fato é ou não crime, possui ou não causa de justificação, não cabe ao médico ou funcionário indagar.
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Não há pois qualquer conflito que possa deixar o profissional sanitário em dúvidas quanto a sua obrigação de notificar a ocorrência de crimes, dês que não coloque o seu cliente em situação de perigo de procedimento penal.
Crime próprio – Trata-se como é claro de infração própria, ou seja são sujeitos ativos apenas os indicados no inciso: os que exerçam função pública e os médicos e exercentes de atividades paramédicas.”
De conseqüência, qualquer um – médico, paramédico (enfermeiras, dentistas, farmacêuticos etc.) e servidor público, ou a este equiparado – que obstaculiza autoridade pública no estrito cumprimento de dever legal com vistas à manutenção da segurança pública, negando informações, meios e elementos que viabilizem a sua atuação, está, por certo, afrontando e atacando o próprio Estado, e deve, por isso mesmo, ser responsabilizado criminalmente.
O que esperar, então, do médico? E mais: do médico que exerce função pública, ou seja, que recebe do Estado para o exercício da medicina? Do médico servidor público? Deste, mais do que de qualquer outro, mais do que de seu colega que restringe a sua atividade à iniciativa privada, espera-se – ou melhor, exige-se – compromisso sério e zeloso com a tutela da segurança e resguardo à justiça, compreendidas na definição de Administração Pública, que, como leciona Costa e Silva, “é o conjunto de funções exercidas por vários órgãos do Estado, em benefício do bem-estar e desenvolvimento da sociedade.”
Ante o exposto, esta Assessoria Jurídica se manifesta pela possibilidade de buscar-se a responsabilização penal daqueles que recalcitram na prática contravencional tipificada no art. 66 da Lei das Contravenções Penais.
É o parecer, “sub censura”.
Encaminhem-se os presentes autos à Adjuntoria-Geral para que o parecer aqui lançado seja submetido à apreciação do Sr. Delegado-Geral.
ASSESSORIA JURÍDICA DA POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE GOIÁS, em Goiânia, aos 3 dias do mês de julho de 2008.
Kílvio Dias Maciel
Delegado de Polícia
Titular da Assessoria Jurídica da Polícia Civil