TRASLADO E REMOÇÃO DE CADÁVER HUMANO
Processo nº. 200800016000965
Nome: 2ª Delegacia Regional de Polícia, com sede em Aparecida de Goiânia-Go.
Assunto: traslado e remoção de cadáver humano
PARECER nº. 2008060286. Trata-se de pedido de parecer jurídico feito pelo Sr. Delegado de Polícia Álvaro Cássio dos Santos, titular da 2ª Delegacia Regional de Polícia, com sede na cidade de Aparecida de Goiânia, neste Estado, acerca da prática costumeira, segundo ele, adotada por algumas autoridades policiais com atuação no referido município goiano em autorizar o livre traslado de cadáveres humanos no território nacional.
O Sr. Diretor-Geral da Polícia Civil de Goiás considerou conveniente o parecer solicitado, deflagrando-se, assim, a possibilidade legal de sua emissão.
Posto, sucintamente, o assunto, vou à análise, agora.
Dou abrangência maior ao pleito, vez que de interesse de toda a Polícia Civil.
Prefacialmente, não se deve olvidar que a Constituição do Estado de Goiás, em seu art. 64, inciso X, em decorrência do que estabelece o inciso V do art. 30 da Constituição Federal, define a atividade concernente a funerais e à administração de cemitérios como serviço público local, firmando-se, portanto, a competência dos municípios goianos para se lhe definir regras e conceitos. Assim, no município de Goiânia, inseriu-se dentre os serviços relativos à organização e execução de funerais a atividade, às vezes obrigatória, outras, facultativa, de remoção e transporte de cadáveres humanos, os ainda insepultos e os já exumados, nos termos do art. 3º, I, “b”, e II, “g”, da Lei nº. 7.406, de 28 de dezembro de 1994.
Com este preâmbulo, norteio as ponderações superficiais acerca do tema.
Por outro lado, sublinho que, depois de pesquisas realizadas junto à Prefeitura e Câmara Municipal de Aparecida de Goiânia, município de atuação do consulente, se verificou a inexistência de legislação, nos moldes da que vigora nesta Capital, naquela municipalidade, realidade que se estende por quase todos os municípios goianos, quiçá brasileiros, tomando-se como base à ilação as pesquisas realizadas junto aos municípios com maior densidade demográfica no Estado de Goiás, a exemplo dos de Luziânia, Anápolis e Itumbiara, que não disciplinam a matéria. Amparo-me tão-somente, pois, na supradita legislação goianiense, fulcro e substrato, portanto, de minhas conclusões, mas, frise-se, apenas as que digam respeito aos âmbitos municipal e intermunicipal goianos, vez que os traslados ou transportes de cadáveres humanos interestadual e internacional atingem esferas de atuação de outros Estados-membros e de outras Nações, a extrapolar normas de serviço local. Assim, o fundamento de norma há de lhes ser diverso.
O tema é muitíssimo complexo. Primeiro, porque a prestação de serviços funerários, aí se incluindo a remoção e o transporte ou traslado de cadáveres humanos, embora seja considerada uma tarefa paroquial, pode transbordar para além destes estreitos limites territoriais, alcançando interesses de outras pessoas jurídicas de direito público interno e externo; segundo, porque, além de tudo, está-se diante da inexorabilidade da morte e suas conseqüências quase sempre traumáticas, a permear, dentre tantos outros bens juridicamente tutelados, o respeito aos mortos – cuja violação, diga-se de passagem, não os atinge diretamente, haja vista que não mais titularizam direitos, mas, sim, a coletividade, os familiares, os amigos – e, porque não, ao próprio sentimento religioso.
Registre-se, mesmo sendo o óbvio, que a remoção e o traslado de cadáver humano de que se cuida, nesta oportunidade, decorrem da morte natural, que nenhum vínculo, direto ou indireto, possua com infrações penais.
Delimitados, pois, o conteúdo, a abrangência, os efeitos e a eficácia do tema e seus desdobramentos, como ponto norteador para facilitar o entendimento e o próprio debate jurídico, passo agora aos pormenores e detalhes imprescindíveis para o todo e partes que culminarão com o desfecho objetivado.
A Constituição Federal, como já se disse, estabelece, em seu art. 30, a competência dos municípios brasileiros, e dentre elas a do inciso V, a mais específica para o tema em discussão, nestes termos, “litteris”:
“Art. 30. Compete aos Municípios:
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V – organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;”
Por sua vez, a Constituição do Estado de Goiás, também como já se disse, define, em seu art. 64, inciso X, a atividade que se refere a funerais e à administração de cemitérios como serviço público de interesse local dos municípios, nestes termos, “litteris”:
“Art. 64. Compete aos Municípios:
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X – dispor sobre os serviços funerários e de cemitérios, além de administrar aqueles que forem públicos e fiscalizar os demais;”
Adelgaçando-se ainda mais a normatização sobre a matéria, a Lei Orgânica do Município de Goiânia, por sua vez, repisando a matéria, estabelece, em seu art. 11, inciso XII, a seguinte competência à municipalidade goianiense, “litteris”:
“Art. 11 – Compete ao Município de Goiânia, dentre outras, as seguintes atribuições:
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XII – dispor sobre os serviços funerários e de cemitérios, além de administrar aqueles que forem públicos, e fiscalizar os pertencentes a entidades privadas;”
Por último, a regular a matéria, a Lei Municipal nº. 7.406, de 28 de dezembro de 1994, estabelece, em seus arts. 2º e 3º, os seguintes conceitos e regras acerca da execução e exploração dos serviços funerários, “litteris”:
“Art. 2º – O serviço funerário Municipal, de caráter público, exercível mediante permissão outorgada pelo Chefe do Poder Executivo, consiste na prestação dos serviços relativos à organização e execução de funerais, mediante a cobrança de tarifa.
Art. 3º – Os serviços funerários consistem nas seguintes atividades:
I – obrigatórias:
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b – transporte de cadáveres;
II – Facultativas:
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g – transporte de cadáveres humanos exumados.”
Para regulamentar a supradita lei municipal, a então Fundação Municipal de Desenvolvimento Comunitário – FUMDEC, hoje sucedida pela Secretaria Municipal de Assistência Social – SEMAS, desde a sua extinção efetivada por meio do art. 11 da Lei Municipal nº. 8.537, de 20 de julho de 2007, baixou a Portaria nº. 34, de 13 de julho de 1999, estabelecendo as seguintes regras, “litteris”, sem os grifos no original:
“1. Dentro das atividades da CENTRAL DE ÓBITOS E CONTROLE DE SEPULTAMENTOS, órgão desta Fundação, caberá o rígido cadastramento de todos os óbitos ocorridos na área do Município de Goiânia e orientação aos familiares de pessoas falecidas para que não sofram assédio por parte de terceiros, que visam obter vantagem econômica com o falecimento.
1.1. A CENTRAL deverá funcionar durante as 24 horas do dia.
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3. Ocorrido o óbito, os responsáveis pela comunicação do fato aos familiares, são obrigados a informá-los que, para a liberação do cadáver, deverão se dirigir à CENTRAL, munidos dos documentos, onde receberão as orientações e adotarão as providências necessárias;
4. Somente uma pessoa da família ou responsável, juntamente com uma das empresas funerárias legalmente autorizadas pelo Município de Goiânia, poderá promover a retirada de corpos nos estabelecimentos hospitalares, utilizando-se para isso um veículo adequado, devidamente liberado, por meio de Certificado de Vistoria pela Superintendência de Vigilância Sanitária, da Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia.
4.1. Os corpos que forem destinados para outros Municípios, após removidos de acordo com a norma acima, poderão ser repassados para a empresa funerária autorizada no destino, mediante expressa solicitação da família e autorização da CENTRAL DE ÓBITOS E CONTROLE DE SEPULTAMENTOS.
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8. As definições aqui especificadas serão adotadas a partir da ZERO HORA (00:00) do próximo dia 27 de julho de 1.999, em toda a área do Município de Goiânia.
9. As Normas Regulamentadoras, anexas, destinam-se a operacionalizar o funcionamento da Central de Óbitos e Controle de Sepultamentos.”
As normas regulamentadoras destinadas a operacionalizar o funcionamento da Central de Óbitos e Controle de Sepultamos da Secretaria Municipal de Assistência Social – SEMAS, referidas no item 9 da Portaria supradita, estabelecem as seguintes regras, cujos excertos, os mais interessantes ao presente caso, transcrevo, “litteris”, observando-se que não há grifos no original:
“1. Constatado o óbito assistido em ambiente hospitalar, os funcionários do hospital estão obrigados a informar os familiares quanto aos procedimentos a serem observados, de acordo com as normas que se seguem; eximindo-se de fazer indicação de clínica para preparação de corpos ou funerária para execução dos serviços, sob pena de lhes serem imputada responsabilidade por ter interesse na intermediação, visando obter vantagem financeira.
1.1. O Funcionário do estabelecimento, no ato da entrega do documento atestando a ocorrência (Declaração de Óbito ou outro exigido), encaminhará o responsável para a Central de Óbitos e Controle de Sepultamentos, onde se adotarão as providências necessárias, tais como registro de óbito e guia de sepultamento, escolha da funerária e orientação sobre a tarifa de custos dos serviços, avaliação e indicação de clínica para preparação do corpo (se for o caso), locais para velórios, providências junto aos cemitérios de Goiânia, autorização de traslado para outros municípios, etc.
2. Na hipótese de morte originada por causa violenta, em que o corpo é enviado para o IML – Instituto Médico Legal –, o procedimento será idêntico, a partir desta instituição pública.
3. Em ocorrendo óbito sem assistência médica e/ou inexistindo alternativa para emissão da Declaração de Óbito, o cadáver será encaminhado para o IML/SVO (Serviço de Verificação de Óbito) para as devidas providências, a partir de quando se adotará os procedimentos indicados nesta instrução.
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4. Fica instituído o documento CADASTRO DE ÓBITOS, composto de duas partes, numerado seqüencialmente (modelo anexo), que será expedido exclusivamente pela CENTRAL DE ÓBITOS E CONTROLE DE SEPULTAMENTOS. O cadastro de óbitos constará, na primeira parte, de todos os elementos indispensáveis para completa anotação da ocorrência e as informações básicas para o serviço funerário; enquanto que, na segunda parte, consistirá na Autorização para retirada do corpo do local que expediu o documento do óbito (declaração ou atestado).
4.1. O CADASTRO DE ÓBITOS será entregue para a funerária escolhida pela família, dentre aquelas autorizadas por delegação para atuarem no Município de Goiânia, ficando ela responsável pelos procedimentos subseqüentes até o ato de sepultamento em cemitério de Goiânia, onde será devolvido, acompanhado de via da Nota Fiscal de todos os serviços prestados, inclusive a ata de preparação do corpo, quando for o caso. É terminantemente proibida a remoção e traslado de cadáveres no Município de Goiânia sem o porte do documento aqui especificado. Quando o sepultamento for destinado a cemitério situado em outro município, o referido Cadastro será devolvido à Central, acompanhado da via da Nota Fiscal dos serviços iniciados e de documento de transferência para a funerária do destino, quando assim ocorrer.
4.2. A segunda parte do CADASTRO DE ÓBITOS, que contém a AUTORIZAÇÃO para retirada do cadáver do local da expedição da Declaração de Óbito/Atestado Médico (modelo anexo), será entregue ao responsável pela liberação, que o manterá arquivado pelo período mínimo de 5 (cinco) anos, para utilização em eventuais averiguações futuras relacionadas à apuração de questionamentos denunciados.
4.3. O corpo somente será liberado para o agente funerário autorizado, que se utilizará de urna definitiva ou equipamento provisório adequado para remoção. Nunca se permitirá a locomoção do corpo desnudo, exigindo-se no mínimo que seja envolto em tecido ou material similar descartável.
5. A remoção e o traslado de cadáveres humanos na área do Município de Goiânia somente serão efetuados por veículo funerário adequado, de conformidade com os padrões sanitários exigidos, portadores de Certificado de Vistoria expedido pela Superintendência Municipal de Vigilância Sanitária, da Secretaria da Saúde do Município de Goiânia.
6. Devidamente acordado entre as partes, os Cartórios de Registro Civil manterão serventuários diariamente na CENTRAL, no período das 8h às 11h e das 12h30min às 17h30min, de segunda-feira a sexta-feira; e das 8h às 13h aos sábados, para o fim exclusivo de promoverem o assentamento dos óbitos verificados em Goiânia, na forma legal, expedindo as certidões e Guias de Sepultamento decorrentes. Nos domingos e feriados terão plantões para atender as emergências.
6.1. Excepcionalmente, para situações de traslados para municípios distantes, será chamado o plantonista para atendimento ao usuário, fora dos horários pré-estabelecidos.
6.2. Ressalte-se que somente na CENTRAL DE ÓBITOS E CONTROLE DE SEPULTAMENTOS se efetuará o Registro Civil de Óbitos, de pessoas no Município de Goiânia.
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9. Também se exigirá a preparação de corpos nas seguintes situações:
9.1. Para traslado por via aérea, observar-se-ão as exigências de preparação do corpo ditadas pelas normas da aviação, além da utilização de urna adequada (zincada).
9.2. Para traslado rodoviário acima de 200 Km, quando a velocidade provoca movimentações bruscas e impróprias no corpo, mediante prévia autorização da família.
9.3. Quando a previsão de sepultamento ultrapassar o decurso de 24 (vinte e quatro) horas do momento em que se deu o óbito e o corpo for exposto em velório.
10. Para os fins cabíveis, definem-se como serviços externos aqueles originados ou destinados a outros Municípios.
10.1. O elemento que determina o local do óbito é o domicílio da expedição da Declaração de Óbito e/ou o ambiente hospitalar em que se verificou o fato.
11. Quando o sepultamento for destinado a cemitério situado em outros municípios, a REMOÇÃO do corpo da unidade hospitalar de ocorrência do óbito ou do IML/SVO será efetuado por funerária autorizada em Goiânia, que poderá cobrar a tarifa vigente para o ato específico quando o serviço funerário for transferido para outra empresa, a pedido da família.
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11.2. Na hipótese da empresa de Goiânia efetuar o serviço completo até o destino, exige-se que mantenha articulação com a funerária do local, evitando causar constrangimento ou transtorno para os familiares, sob pena de sofrer restrições nas próximas autorizações para remoção de corpos.
11.3. Não se admitirá o traslado sem que o corpo esteja conveniente vestido e depositado em urna mortuária, além de estar acompanhado da documentação legal.
11.4. A Funerária responsável pela iniciação do atendimento, mediante a remoção, se encarregará da obtenção da Autorização para Traslado ou da Autorização para Liberação de Corpo para Funerária de outro Município junto à Central de Óbitos para o livre trânsito até o destino.
12. A Polícia Rodoviária Federal e o Batalhão de Polícia Militar Rodoviária serão informados e orientados quanto aos procedimentos aqui adotados, com o objetivo de instruírem seus inspetores a exigirem o cumprimento das normas.
13. Os serviços originados em outros Municípios e destinados a sepultamento nos cemitérios localizados em Goiânia, deverão ser concluídos em articulação com empresa funerária autorizada, mediante cobrança de tarifa específica para as atividades executadas, na forma da Lei nº. 7.406/94, exigindo-se uma via da Nota Fiscal dos serviços executados na origem, além da Guia de Sepultamento e da Autorização de Traslado.
13.1. A Empresa Funerária de outro Município deverá procurar a CENTRAL DE ÓBITOS E CONTROLE DE SEPULTAMENTOS para providenciar o CADASTRO DE ÓBITOS e designação ou escolha da funerária local para completar o serviço.”
Dos excertos dos textos legais e dos atos administrativos transcritos, conclui-se que a remoção e o traslado ou transporte rodoviário de cadáveres humanos dentro do município de Goiânia, ou que o envolva em relação de início ou fim com outro município brasileiro, hão de se dar, impreterivelmente, por interveniência da Prefeitura de Goiânia, através dos seus seguintes órgãos: a) Superintendência Municipal de Vigilância Sanitária, vinculada à Secretaria Municipal da Saúde; b) Central de Óbitos e Controle de Sepultamentos, vinculada à Secretaria Municipal de Assistência Social – SEMAS; c) Serviço de Verificação de Óbitos – SVO, também vinculado à supradita SEMAS. Não há, nestes casos, a mínima participação, como se depreende, da Polícia Civil goiana, muito menos a importante tarefa de autorizar ou não o mencionado traslado e/ou remoção.
Faço aqui um parêntese para anotar que a Lei Estadual nº. 14.383, de 31 de dezembro de 2002, modificou a organização administrativa do Poder Executivo Estadual goiano, sendo que dentre as modificações introduzidas por ela há as que se respeitam à estrutura organizacional da Diretoria-Geral da Polícia Civil do Estado de Goiás, mais especificamente, e porque se prende ao assunto em tela, à Superintendência de Polícia Técnico-Científica, unidade onde se insere o Instituto de Medicina Legal. Assim, o art. 3º da referida lei estadual introduziu algumas alterações na Lei Estadual nº. 13.456, de 16 de abril de 1999, dentre elas a que retirou a Superintendência de Polícia Técnico-Científica da estrutura da Diretoria-Geral da Polícia Civil, vinculando-a diretamente à Secretaria da Segurança Pública e Justiça do Estado de Goiás. Ao introduzir esta alteração, a mencionada lei reformista colocou a nova Superintendência de Polícia Técnico-Científica no âmbito da estrutura administrativa e financeira da Secretaria da Segurança Pública e Justiça do Estado de Goiás, sendo que tudo que a ela e a suas unidades administrativas diga respeito deverá, desde então, estar atrelado àquela estrutura organizacional.
Feita a digressão, com vistas a dirimir-se qualquer dúvida que ainda possa pairar sobre a subordinação do IML goiano, volto ao tema nevrálgico.
Conclui-se, também, quanto à forma, que o traslado ou transporte aéreo de cadáveres humanos requer, diferentemente do rodoviário, além das exigências definidas na legislação citada, aquelas ditadas pelas normas da aviação, nos termos da Instrução de Aviação Civil – Normativa nº. 1606 do Departamento de Aviação Civil, órgão ligado ao Comando da Aeronáutica. Neste caso específico do traslado ou transporte por via aérea, há exigência normativa de autorização da autoridade policial local que se mostra de todo descabida e despropositada, vez que admitida – embora não oficialmente – por aquele próprio Órgão (Chefia da 6ª Gerência Regional da Divisão de Serviços Aéreos, com sede no Distrito Federal) a sua finalidade única de levar ao conhecimento daquela autoridade o óbito, como se o ordenamento jurídico brasileiro não definisse como receptor dessas comunicações o próprio Registro Civil das Pessoas Naturais, nos termos dos arts. 77 “usque” 88 da Lei Federal nº. 6.015, de 31 de dezembro de 1973, que dispõe sobre os registros públicos, com as alterações promovidas pela Lei Federal nº. 6.215, de 30 de junho de 1975, e pela Medida Provisória nº. 2.187-13, de 24 de agosto de 2001.
O mesmo poderia ocorrer, por óbvio, no tocante aos traslados ou transportes marítimo, fluvial, lacustre e ferroviário se Goiás fosse um Estado litorâneo ou se as hidrovias e ferrovias fizessem parte de sua realidade contemporânea. Àquela impossibilidade geográfica e à falta de decisão política e investimentos nos sistemas de aquavia e ferrovia goianos são em que deposito as razões de não abordar o tema, na perspectiva destas possibilidades. Registro, contudo, que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, por meio da Resolução de Diretoria Colegiada nº. 68, de 10 de outubro de 2007, que dispõe sobre o controle e fiscalização sanitária do translado de restos mortais humanos, aprovou regulamento técnico, com vistas à promoção da vigilância sanitária em portos, aeroportos, fronteiras e recintos alfandegários, instalados em todo o território nacional, em que se constata, tal qual a norma de aviação civil citada, em um de seus anexos, deslocada do conteúdo textual e do escopo normativo, a mesma exigência de autorização de autoridade policial. Ouso dizer: documento de praxe antiquada e desútil.
Não há, como se demonstrou, fundamento legal ou finalidade plausível para se exigir autorização para a remoção ou traslado de cadáver humano expedida por delegado de Polícia, vez que este não tem autoridade sanitária e não lhe compete outra tarefa a não ser aquelas ligadas à apuração de infrações penais e ao exercício de polícia judiciária.
Ante o exposto, esta Gerência Jurídica descarta por completo a necessidade de autorização emitida por autoridade da Polícia Civil para a remoção e traslado ou transporte de cadáveres humanos, dentro do território do Estado de Goiás, ou que envolva qualquer de seus municípios numa relação inicial ou terminal com outro município brasileiro, vez que de atribuição exclusiva das autoridades sanitárias municipais, a prescindir, por conseqüência, da participação ou interferência policial.
Por fim, alvitro aos delegados de Polícia goianos, nos municípios onde não haja legislação específica, que procurem os prefeitos e os aconselhem a enviarem às Câmaras Municipais projetos de lei nos moldes da legislação goianiense, para que os seus munícipes não fiquem desassistidos, neste particular, em momento tão sofrido quanto na hora da morte de amigos e familiares.
É o parecer, “sub censura”.
Encaminhem-se os presentes autos à Chefia de Gabinete para que o parecer aqui lançado seja submetido à apreciação do Sr. Diretor-Geral.
GERÊNCIA JURÍDICA DA DIRETORIA-GERAL DA POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE GOIÁS, em Goiânia, aos 2 dias do mês de abril de 2008.
Kílvio Dias Maciel
Delegado de Polícia
Titular da Gerência Jurídica da Diretoria-Geral da Polícia Civil